Queridos irmãos e irmãs!
”Somos membros uns dos outros” ( Ef 4:25 ).
Das comunidades
de redes sociais à comunidade humana
Desde quando se tornou possível dispor da internet,
a Igreja tem sempre procurado que o seu uso sirva ao encontro das pessoas e a
solidariedade entre todos. Com esta Mensagem, gostaria de vos convidar
uma vez mais a refletir sobre o fundamento e a importância do nosso
ser-em-relação e descobrir, nos vastos desafios do atual panorama comunicativo,
o desejo que o homem tem de não ficar encerrado na própria solidão.
As metáforas da “rede” e da “comunidade”
Hoje, o ambiente dos mass-media é tão
invasivo que já não se consegue separar do círculo da vida quotidiana. A rede é
um recurso do nosso tempo: uma fonte de conhecimentos e relações outrora
impensáveis. Mas numerosos especialistas, a propósito das profundas
transformações impressas pela tecnologia às lógicas da produção, circulação e
fruição dos conteúdos, destacam também os riscos que ameaçam a busca e a
partilha de uma informação autêntica à escala global. Se é verdade que a
internet constitui uma possibilidade extraordinária de acesso ao saber, verdade
é também que se revelou como um dos locais mais expostos à desinformação e à
distorção consciente e pilotada dos fatos e relações interpessoais, a ponto de
muitas vezes cair no descrédito.
É necessário reconhecer que se, por um lado, as
redes sociais servem para nos conectarmos melhor, fazendo-nos encontrar e
ajudar uns aos outros, por outro, prestam-se também a um uso manipulador dos
dados pessoais, visando obter vantagens no plano político ou econômico, sem o
devido respeito pela pessoa e seus direitos. As estatísticas relativas aos mais
jovens revelam que um em cada quatro adolescentes está envolvido em episódios
de cyberbullying. [1]
Na complexidade deste cenário, pode ser útil voltar
a refletir sobre a metáfora da rede, colocada inicialmente como
fundamento da internet para ajudar a descobrir as suas potencialidades
positivas. A figura da rede nos convida a refletir sobre a multiplicidade de
percursos e nós que, na falta de um centro, uma estrutura de tipo hierárquico,
uma organização de tipo vertical, asseguram a sua consistência. A rede funciona
graças à coparticipação de todos os elementos.
Reconduzida à dimensão antropológica, a metáfora da
rede lembra outra figura densa de significados: a comunidade. Uma
comunidade é tanto mais forte quando mais for coesa e solidária, animada por
sentimentos de confiança e empenhada em objetivos compartilháveis. Como rede
solidária, a comunidade requer a escuta recíproca e o diálogo, baseado no uso
responsável da linguagem.
No cenário atual, salta aos olhos de todos como a
comunidade de redes sociais não seja, automaticamente, sinônimo de comunidade.
No melhor dos casos, tais comunidades conseguem dar provas de coesão e
solidariedade, mas frequentemente permanecem agregados apenas indivíduos que se
reconhecem em torno de interesses ou argumentos caracterizados por vínculos
frágeis. Além disso, na social web, muitas vezes a identidade se funda
na contraposição ao outro, à pessoa estranha ao grupo: define-se mais a partir
daquilo que divide do que daquilo que une, dando espaço à suspeita e à explosão
de todo o tipo de preconceito (étnico, sexual, religioso, e outros). Esta
tendência alimenta grupos que excluem a heterogeneidade, alimentam no próprio
ambiente digital um individualismo desenfreado, acabando às vezes por fomentar
espirais de ódio. E, assim, aquela que deveria ser uma janela aberta para o
mundo, torna-se uma vitrine onde se exibe o próprio narcisismo.
A rede é uma oportunidade para promover o encontro
com os outros, mas pode também agravar o nosso auto-isolamento, como uma teia de
aranha capaz de capturar. Os adolescentes é que estão mais expostos à ilusão de
que a social web possa satisfazê-los completamente a nível relacional,
até se chegar ao perigoso fenômeno dos jovens «eremitas sociais», que correm o
risco de se alhear totalmente da sociedade. Esta dinâmica dramática manifesta
uma grave ruptura no tecido relacional da sociedade, uma laceração que não
podemos ignorar.
Esta realidade multiforme e insidiosa coloca várias
questões de caráter ético, social, jurídico, político, econômico, e interpela
também a Igreja. Enquanto cabe aos governos buscar as vias de regulamentação
legal para salvar a visão originária de uma rede livre, aberta e segura, é responsabilidade
ao alcance de todos nós promover um uso positivo da mesma.
Naturalmente não basta multiplicar as conexões,
para ver crescer também a compreensão recíproca. Então, como reencontrar a
verdadeira identidade comunitária na consciência da responsabilidade que temos
uns para com os outros inclusive na rede on-line?
“Somos membros uns dos outros”
Pode-se esboçar uma resposta a partir duma terceira
metáfora – o corpo e os membros – usada por São Paulo para falar da
relação de reciprocidade entre as pessoas, fundada num organismo que as une.
«Por isso, despi-vos da mentira e diga cada um a verdade ao seu próximo, pois
somos membros uns dos outros» (Ef 4, 25). O fato de sermos membros
uns dos outros é a motivação profunda a que recorre o Apóstolo para exortar
a se despir da mentira e dizer a verdade: a obrigação de preservar a verdade
nasce da exigência de não negar a mútua relação de comunhão. Com efeito, a
verdade se revela na comunhão; ao contrário, a mentira é recusa egoísta de
reconhecer a própria pertença ao corpo; é recusa de se dar aos outros, perdendo
assim o único caminho para se reencontrar a si mesmo.
A metáfora do corpo e dos membros nos leva a
refletir sobre a nossa identidade, que se funda sobre a comunhão e a
alteridade. Como cristãos, todos nos reconhecemos como membros do único corpo
cuja cabeça é Cristo. Isto nos ajuda a não ver as pessoas como potenciais
concorrentes, considerando os próprios inimigos como pessoas. Já não tenho
necessidade do adversário para me autodefinir, porque o olhar de inclusão, que
aprendemos de Cristo, faz-nos descobrir a alteridade de modo novo, ou seja,
como parte integrante e condição da relação e da proximidade.
Uma tal capacidade de compreensão e comunicação
entre as pessoas humanas tem o seu fundamento na comunhão de amor entre as
Pessoas divinas. Deus não é Solidão, mas Comunhão; é Amor e, consequentemente,
comunicação, porque o amor sempre comunica; antes, comunica-se a si mesmo para
encontrar o outro. Para comunicar conosco e Se comunicar a nós, Deus adapta-Se
à nossa linguagem, estabelecendo na história um verdadeiro e próprio diálogo
com a humanidade (cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Dei Verbum, 2).
Em virtude de termos sido criados à imagem e
semelhança de Deus, que é comunhão e comunicação-de-Si, trazemos sempre no
coração a nostalgia de viver em comunhão, de pertencer a uma comunidade. Como
afirma São Basílio, «nada é tão específico da nossa natureza como entrar em
relação uns com os outros, ter necessidade uns dos outros».[2]
O panorama atual nos convida, a todos nós, a
investir nas relações, a afirmar – também na rede e através da rede – o caráter
interpessoal da nossa humanidade. Por maior força de razão nós, cristãos, somos
chamados a manifestar aquela comunhão que marca a nossa identidade de crentes.
De fato, a própria fé é uma relação, um encontro; e nós, sob o impulso do amor
de Deus, podemos comunicar, acolher e compreender o dom do outro e
corresponder-lhe.
É precisamente a comunhão à imagem da Trindade que
distingue a pessoa do indivíduo. Da fé num Deus que é Trindade, segue-se que,
para ser eu mesmo, preciso do outro. Só sou verdadeiramente humano,
verdadeiramente pessoal, se me relacionar com os outros. Com efeito, o termo
pessoa conota o ser humano como “rosto”, voltado para o outro, comprometido com
os outros. A nossa vida cresce em humanidade passando do caráter individual ao
caráter pessoal; o caminho autêntico de humanização vai do indivíduo que sente
o outro como rival para a pessoa que nele reconhece um companheiro de viagem.
Do “like” ao “amen”
A imagem do corpo e dos membros nos recorda que o
uso da social web é complementar do encontro em carne e osso, vivido
através do corpo, do coração, dos olhos, da contemplação, da respiração do
outro. Se a rede for usada como prolongamento ou expetação de tal encontro,
então não se atraiçoa a si mesma e permanece um recurso para a comunhão. Se uma
família utiliza a rede para estar mais conectada, para depois se encontrar à
mesa e olhar-se olhos nos olhos, então é um recurso. Se uma comunidade eclesial
coordena a sua atividade através da rede, para depois celebrar juntos a
Eucaristia, então é um recurso. Se a rede é uma oportunidade para me aproximar
de casos e experiências de bondade ou de sofrimento distantes fisicamente de
mim, para rezar juntos e, juntos, buscar o bem na descoberta daquilo que nos
une, então é um recurso.
Assim, podemos passar do diagnóstico à terapia:
abrir o caminho ao diálogo, ao encontro, ao sorriso, ao carinho… Esta é a rede
que queremos: uma rede feita, não para capturar, mas para libertar, para
preservar uma comunhão de pessoas livres. A própria Igreja é uma rede tecida
pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos [«like»],
mas na verdade, no «amen» com que cada um adere ao Corpo de Cristo,
acolhendo os outros.
Vaticano, na Memória de São Francisco de Sales, 24
de janeiro de 2019.
FRANCISCUS